RESCISÃO COM CORRETORA, PRINCIPAIS DIREITOS DO AI E DO INVESTIDOR.

I.         BREVE INTRODUÇÃO  


Em regra, o instrumento particular celebrado entre uma Intermediadora e um Agente Autônomo de Investimento (AAI) é um contrato de agenciamento e remuneração. Este é feito a partir das Corretoras de Títulos e Valores Mobiliários e das Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, as quais só podem firmar contrato com AAI previamente autorizados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias (ANCORD) – que é a instituição credenciadora. Ainda assim, a Instituição Financeira deve inscrever o AAI em sua relação de profissionais na página da CVM e toda alteração deve ser informada à CVM no prazo de 05 (cinco) dias úteis. De forma parecida, um AAI só pode trabalhar por 90 (noventa) dias sem ingressar em contrato social do escritório.

Isto entendido, a remuneração é pactuada entre o AAI e a Instituição Financeira e os critérios de adesão e rescisão do contrato são estipulados pelas intermediadoras, de modo que direitos e deveres das partes variam de acordo com cada instituição.  

Estas cláusulas são livremente pactuadas, porém o que ocorre na realidade é que os AAI’s ficam obrigados a aceitar as regras da intermediadora a qual estão se vinculando, pois cada uma possui seu modelo contratual pré-estabelecido. Assim, as responsabilidades das partes ficam pactuadas à preferência da intermediária e em detrimento do AAI, mas deve o AAI ter conhecimento de seus direitos ainda que o contrato possa alegar o diverso.

Cada caso é um caso.  

Em termos jurídicos, “caso concreto” significa que cada caso é único, merecendo ser analisado de forma individual para que seja compreendido em suas particularidades, a depender de contrato, norma direta, fato e ordenamento jurídico.

Nenhum caso é igual ao outro e nem sempre as consequências de rescisão de determinado escritório junto de alguma corretora serão as mesmas consequências, viceversa, seja a favor ou prejuízo de um Agente, em casos parecidos.

Logo, esta breve cartilha traz breve exposição informativa e não deve substituir a análise de profissional jurídico com conhecimento técnico quanto ao minucioso mercado de valores mobiliários no Brasil para concluir pela aplicabilidade ou não de determinado instituto de direito e/ou contratual.

Orientamos a qualquer leitor para que sempre leve seu caso específico à análise do seu profissional de confiança.

II.PRINCIPAIS DIREITOS DO AAI AGENTE AUTÔNOMO DE INVESTIMENTOS (Quando de rescisão contratual em mercado de valores mobiliários)


Reflexos da adesão: Em regra, contrato de adesão é um instrumento unilateral, de forma que uma das partes (normalmente a que conta com vantagem econômica e de autoridade) elabora o instrumento de forma arbitral, enquanto a outra parte só tem a opção de aceitar o que lhe foi imposto. A parte vulnerável, denominada aderente, diante de um contrato de adesão elaborado pelo proponente, tem apenas a possibilidade de aceitá-lo ou negá-lo em sua totalidade, portanto impostas à condição de trabalho. Todo Agente e/ou escritório assina, em regra, contrato de adesão. 

Contratos de adesão colocam investidores na condição de consumidor, amparado pelo Código de Defesa do Consumidor dos serviços oferecidos pelas corretoras. Os Agentes, sem aplicação benéfica do CDC, por vezes restam reféns de interesses predatórios, devendo saber a correta aplicação prática da legislação para, se necessário, confrontar elemento contratual com o ordenamento jurídico brasileiro.

  • Repasse vencido: Há contratos, leoninos, nulos e/ou anuláveis de pleno direito, que preveem retenção de repasse como multa. No entanto, o STJ já consolidou entendimento diverso, não podendo prevalecer retenção de repasse travestida de multa contratual.
  • Migração de carteira: Nenhum ocorrido legitima, sustenta ou autoriza a retenção ou imposição de barreiras ao escritório/ AAI para transferir carteira em custódia, sob pena de perdas e danos e lucros cessantes. Exceção para barreira formal aplicável ao caso, vigente antes do contrato do escritório com a corretora, toda imposição afirmativa ou negativa na necessidade de migração de carteira deve ocorrer de forma fundamentada.
  • Aplicação de multas (sem justa causa): O mercado jurídico tem feito verdadeira confusão entre o instituto de aplicação de multa com ou sem justa causa. Não são aplicáveis multas quando de rescisão sem justa causa, exceção se pactuadas para efeitos de indenização por perdas e danos ou lucros cessantes.

III. ROL DE DIREITOS DO INVESTIDOR


CONTRATO DIRETO COM CORRETORA

(Quando de rescisão contratual em mercado de valores mobiliários)

Os investidores são destinatários finais dos serviços prestados pela corretora, devendo ser aplicado o CDC1, conforme define o art. 2º do Código de Defesa do Consumidor. Portanto, cumpre ressaltar a aplicação do CDC em razão de verdadeira relação de consumo estabelecida entre o Investidor e as corretoras, com a aplicação dos

1 Conforme posicionamento do STJ: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 1.599.535 – RS (2016/0124615-3) RELATORA : MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI EMBARGANTE : UBS BRASIL CORRETORA DE CAMBIO, TITULOS E VALORES MOBILIARIOS S.A. ADVOGADOS : ALEXANDRE TADEU NAVARRO PEREIRA E OUTRO (S) – SP118245 THIAGO D’AUREA CIOFFI SANTORO BIAZZOTI E OUTRO (S) – SP183615 BRUNA LAÍS REIS SOUSA TOURINHO – SP353056 ISABELLA LUCIA POIDOMANI – SP396614 EMBARGADO : FABIO DINIZ RODRIGUES BARBOZA ADVOGADO : RENAN ADAIME DUARTE E OUTRO (S) – RS050604 INTERES. : FATOR S/A – CORRETORA DE VALORES ADVOGADOS : DANIEL DE AGUIAR ANICETO – SP232070 JOÃO ALFREDO STIEVANO CARLOS – SP257907 JULIANO DALCIN BONACINA E OUTRO (S) – RS088083 DECISÃO Trata-se de embargos de divergência opostos por UBS Brasil Corretora de Câmbio, Títulos e Valores Mobiliários S/A em face de acórdão proferido pela Terceira Turma desta Corte, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, assim ementado (fl. 351): CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CORRETAGEM DE VALORES E TÍTULOS MOBILIÁRIOS. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. RELAÇÃO DE CONSUMO.

INCIDÊNCIA DO CDC. (STJ – EREsp: 1599535 RS 2016/0124615-3, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Publicação: DJ 13/09/2017).

princípios e conceitos do mencionado Código a favor dos investidores e contra os contratos de adesão.

Reflexos da adesão – refletem a favor dos investidores os seguintes princípios:

  • Princípio da vulnerabilidade: 

O princípio da vulnerabilidade decorre da desigualdade de poderes entre as partes de uma relação consumerista. O consumidor, sendo o polo mais fraco, por não possuir o controle da produção, é submetido aos que o detém. A vulnerabilidade deriva do princípio constitucional da isonomia, de acordo com o qual “os desiguais devem ser tratados à medida de suas desigualdades”.

Neste sentido, é possível reconhecer a desigualdade na dinâmica entre investidores e Intermediárias, uma vez que estas exercem poder por meio do marketing, do capital, dos meios de comunicação, entre outras armas de influência, ao passo que o investidor não conta com tais recursos. Assim, é papel do direito propiciar ferramentas que possibilitem a equiparação desses às grandes corretoras. 

  • Da Inversão do ônus da prova:  

Por se tratar de relação de consumo e considerando a hipossuficiência e vulnerabilidade do Investidor, conforme dispõe o art. 6º, inciso VIII do CDC, deve ser aplicada a inversão do ônus da prova. 

Dessa forma o Investidor não é obrigado a fazer prova de fato negativo, considerando a aplicação das cláusulas abusivas, devendo a Intermediadora justificar a aplicação de tais cláusulas e a procedência delas. 

– Princípio do dever governamental  


Seguindo, então, a linha dos princípios atinentes à seara consumerista, o art. 4º do Código de Defesa do Consumidor traz em seu caput o objetivo da Política Nacional das Relações de Consumo de promover “o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo”. 

O referido artigo elenca, ainda, 2 importantes incisos concernentes ao dever governamental de proteção do consumidor – representado aqui pela figura do AAI. O inciso II traz o dever de “ação governamental no sentido de proteger efetivamente o

consumidor”, ou seja, ao Estado é incumbida a responsabilidade de criar mecanismos concretos de proteção contra violações aos direitos determinados no caput do artigo. 

Já o inciso VI do mesmo traz a obrigação governamental de “coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo”. Neste aspecto, as cláusulas contratuais que sejam consideradas leoninas, que ocorrem na maioria dos casos, estariam abarcadas no dever governamental de coibição e repressão eficientes.

– Princípio da boa-fé


No núcleo dos princípios contratuais, a boa-fé é a máxima orientadora do CDC. No inciso III do supracitado art. 4º fica expressa a base de “boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”, além de difundida pelos demais dispositivos.

O princípio da boa-fé é um conceito ético, moldado nas ideias de proceder com correção, com dignidade, pautando sua atitude pelos princípios da honestidade, da boa intenção e no propósito de não prejudicar.

– Da exceção ao princípio da vinculação da proposta  


Para um negócio jurídico ser realizado, é necessário, no mínimo, a manifestação de duas vontades. O que tornará o negócio válido, surtindo efeitos entre as partes e na sociedade, é chamado de proposta e aceitação. Quando a proposta encontra a aceitação, é possível se afirmar que o Contrato passa a existir e gerar efeitos. 

Configura-se aceitação, a anuência, tácita ou expressa com os termos exatos da proposta. Deste modo, a aceitação é a manifestação da vontade que une os contratantes, vinculando-os juridicamente. Para ser válida a declaração de vontade do contratante, esta deve ser direcionada ao conteúdo real do contrato, atenta ao fim que o direciona a realizar o negócio.

Entretanto, ao nos referirmos aos contratos de adesão, o consentimento do aceitante manifesta-se apenas a título de adesão em bloco ao conteúdo preestabelecido, e o CDC dispõe em seu art. 46 que “os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”. 

Assim, na presente situação entre Investidor e Intermediadora, não há como se formar o consentimento legítimo. 

– Da invalidade da Cláusula de Presunção de Conhecimento  


A cláusula de presunção de conhecimento é aquela que, presente em um contrato de adesão, afirma que o proponente leu e entendeu todas as cláusulas da proposta. Porém, o que esta disposição tenta fazer é uma presunção de conhecimento. Elas buscam inverter o ônus da prova, não cabendo mais ao preponente provar que o oblato tomou conhecimento do contrato, e sim o aderente que terá que provar que a cláusula não coaduna com a realidade, sendo inócua. 

Assim, é possível perceber que as cláusulas de presunção de conhecimento estão dirigidas a manter a contraparte em condições de inferioridade jurídica, sendo cláusulas que atuam em benefício dos que as têm preestabelecido. 

Nessas condições, o CDC, dispõe em seu artigo 51, sobre as cláusulas abusivas, afirmando que “são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: VI- estabeleçam a inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor.” Ou seja, a cláusula de presunção de conhecimento é abusiva, devendo ser declarada nula de pleno direito, bem como estabelecido que o ônus da prova do conhecimento pleno do conteúdo contratual cabe exclusivamente ao proponente, pois, este diploma legal não admite a inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor.

IV. CONCLUSÃO


Deve o agente, investidor ou escritório que se sinta prejudicado de qualquer rescisão sempre buscar o auxílio jurídico de profissional com conhecimento do mercado mobiliário antes de assinar qualquer documento, a fim de que este possa lhe nortear às melhores soluções dentro ou fora da Justiça. Considerando o princípio da preclusão, que importa dizer que tudo no direito tem o momento certo, não podendo socorrer posteriormente quem agir com assinaturas desorientadas, aconselhamos a assinatura de distrato com a correta supervisão técnica. Por vezes nosso escritório, por exemplo, recebe agentes ou escritórios de investimento após a assinatura de distrato com quitação irrevogável e irretratável quando não há mais o que ser feito.

Lembrando que cada caso concreto apresenta suas particularidades, sempre passe pelo seu profissional de confiança. Sempre que for necessário analisar, guarde o rol documental que envolve os fatos, o qual também pode ser usado como documentação para corroborar, validar ou anular elemento irregular, a saber troca de e-mails, mensagens via WhatsApp e áudios gravados de forma consentida em reunião.

Por fim, o conteúdo deste material está sujeito à reprovação de quem entender diverso de qualquer elemento que aqui consta, uma vez que o Direito consiste em ciência jurídica abstrata com múltiplos entendimentos, salvo melhor juízo.

BONILHA & FREITAS ADVOGADOS

Ribeirão Preto, 2021

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